Total de visualizações de página

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O desafio do Mar - Vilmar Berna




O desafio do Mar  - O Vilmar Berna
A construção de um navio parece com a formação das pessoas. Durante a gestação o casco é construído, até que somos lançados ao mar. A maior parte de um navio é colocado depois, como acontece com a gente.
Camarotes, porões, motores, guindastes, pintura, enfeites, são acrescentados durante a infância e adolescência, até o navio ficar pronto para primeira viagem. Um navio fica pronto quando sai do estaleiro, mas com a gente é diferente - e este é o desafio de cada um - pois crescemos todo dia e nunca ficamos prontos. Apesar disso é preciso partir...
Mas nem todos têm a coragem de ir e continuam atracados ao cais, julgando-se incapazes de viajar sozinhos.
Algumas pessoas são obrigadas a zarpar, já que os encargos da segurança do porto tornam-se pesados demais e, às vezes, perdem um tempo precioso da viagem revoltados e lamentando-se por tudo isso... Mas nem todo mundo é assim...
Alguns, mal o dia amanhece, já partiram. Parecem muito ocupados e logo somem no horizonte. Desde cedo sabem o que querem e têm presa de viver.
Outros navios também saem logo que podem, mas ficam dando voltas e mais voltas sem chegar a lugar algum e acabam navegando só para comprar mais combustível todo dia e, o que ganham, mal dá para a reforma do casco...
Os maiores desperdiçadores de seus próprios recursos são aqueles que não sabem o que querem... e o pior é que quando a gente não sabe direito o que espera do rumo que está tomando ou nem tem um rumo, não pode corrigir a rota se estiver no caminho errado...
Nós somos os maiores responsáveis pelas tempestades que não conseguimos evitar.
Já outras pessoas deixam de navegar milhares de milhas para se conformar com umas poucas centenas, porque têm medo de atrair ventos contrários ou então querem agradar ou impressionar alguém.
A gente não deve aceitar isso, pois significa concordar em ser menos que pode ser. Todo dia é dia de evolução e aprendizado e, como a lua cheia, quando paramos de crescer, começamos a diminuir.
Então a primeira coisa a fazer é tornar-se comandante de si próprio e isso equivale a pensar com a própria cabeça, ser timão e timoneiro, assumindo riscos pelos erros, pois só erram os que têm a coragem para ousar e, se caírem, levantar e tentar de novo - sempre...
Pois ninguém sabe nossa autonomia no mar, nossa capacidade de carga, ou a que velocidade podemos singrar as águas dos oceanos, sejam azuis ou escuras.
Ninguém, nos conhece melhor do que nós mesmos e, por mais que digam o que temos - ou não temos - que fazer, ninguém pode viver a vida em nosso lugar...
Outras pessoas, ainda vivem frustradas e infelizes porque não conseguem ter as mesmas coisas que viram em outro navio. Algumas também ficam furiosas quando alguma coisa ou alguém age ou sai como gostaria.
O inferno que alguns acreditam somos nós que fabricamos e, pessoas que não aceitam as outras ou o mundo como ele é, tornam-se demônios de si próprias e - o que é pior - daqueles que estão em sua volta e que, apesar de tudo, os amam.
Mas amar não é tarefa fácil...
O amor a si próprio e ao próximo é um exercício diário para saber a diferença entre o que precisa ser mudado e o que devemos aceitar como é. Muita
gente tem preferido impor suas idéias e opiniões em vez de escutar o outro; ficar revoltada com o mundo, em vez de admirar a vida, pois não sabem o que é amar.
E tem viajantes que pensam no amor como algo a ser obtido, como se fosse um objeto e não como uma arte que precisa ser aprendida. Alguns acabam confundindo o amor, Deus ou a felicidade com o significado de suas rotas, e vivem frustrados navegando atrás do que não conseguem alcançar - e até desistem no meio do caminho, desalentados, achando que a vida não vale a pena, que Deus não existe e felicidade e amor são balelas...
Esquecem que nenhum plano de navegação, por mais exato que seja, consegue levar um navio para um lugar que não existe...
...pois Deus, felicidade, amor, bondade não são lugares ou coisas que possam ser possuídas. A primeira coisa a fazer para quem quer encontrar estes bens, é não procurar! Quando procuramos o que não é lugar ou objeto, e que muito menos está escondido, quem fica perdido somos nós mesmos. Mas não procuramos, por que não pode ser encontrado fora de nós, descobrimos que o que tanto queremos - Deus, felicidade, paz - habita camarotes no coração do nosso próprio navio... E tem pessoas tão preocupadas em procurar do lado de fora que até se esquecem de olhar por dentro.
Quando um viajante se preocupa em navegar o melhor que pode todo dia, por ter um compromisso consigo próprio de ser melhor todo dia, Deus está com ele e tudo mais é acrescentado.
Não existe navio que não tenha passado por tempestade e muitos afundam por acharem que não precisam de outros.
Somos forte quando unidos. Juntos somos tão grandes e poderosos quanto a onda mais forte e ameaçadora.
Perdoar as falhas e limitações de nossos semelhantes é muito mais que amor ou virtude - é questão de inteligência e sobrevivência... pois a única coisa que possuímos de verdade é a necessidade do outro.
Mas não existem tempestades que durem para sempre, assim como os dias de sol não são permanentes.
Dor e frustração muitas vezes são resultado de querermos perpetuar momentos de prazer, bem-estar, alegria, que por si só são efêmeros e com facilidade esquecemos que nada é eterno - a não ser o próprio movimento - e que, por isso, momentos de alegria se alternam com momentos de tristeza, dor se alterna com prazer, fome com saciedade, doença com saúde - um sempre dando lugar ao outro.
Quando a gente pára de tentar lutar contra isso e se abandona nesse jogo delicioso da vida, descobrimos que, acima de tudo, a vida vale a pena ser vivida intensamente.
Afinal, o paraíso não foi perdido, nem fomos expulsos dele. Nós é que expulsamos o paraíso de nós próprios na medida em que perdemos a capacidade de sentir a vida em nós e a nossa volta e recusamos o presente que nos oferece todo dia esse mar, o mundo.
Vilmar Berna

Nenhum comentário:

Postar um comentário